- Mario Cezar da Silveira
- 11 de jan.
- 2 min de leitura
Atualizado: 14 de jan.
Vovó - DOIS NATAIS
“Lembro eu ajudando minha avó, minha mãe e meus oito irmãos enfeitando a casa para o Natal. Meu pai e meu avô ainda não chegaram da roça. A árvore de Natal tinha sido cortada no nosso quintal. Os enfeites feitos de sementes de pinha, laços de fitas feitos pela minha avó, algodão, barba de velho que meus irmãos mais velhos colheram nas arvores do sítio, e mais um monte de coisas que cada um escolheu. Ficou linda. A casa já está toda enfeitada e a gente está tomado por um sentimento de amor intenso. Chegam meus tios e primos, que enchem a casa e dormem espalhados pelos cômodos, até na cozinha. Tem que tomar cuidado pra não pisar em ninguém. Toda noite nós rezamos uma novena em homenagem ao nascimento do menino Jesus. Eu e meus primos fazemos do quintal e da roça o espaço para extravasar, incontidos, no prazer de estarmos juntos. Na noite do dia 24 esperamos ansiosos os presentes, mas antes, em uma mesa imensa, jantamos uma ceia de Natal barulhenta, não sem antes rezar pra agradecer a Deus o alimento, depois fomos à Missa do Galo, para dar tempo do Papai Noel fazer as entregas. Quando chegamos em casa, já de madrugada, como que por mágica, a árvore estava lotada de presentes. Não sei como o Papai Noel tinha feito aquilo. Meu avô Bráulio é o encarregado de distribuir os pacotes, chamando cada um pelo nome. Eu, ansiosa, esperava minha vez. Estava achando que o Bom Velhinho tinha esquecido de mim. Ganhei dois presentes. Uma boneca de pano, que me acompanhou até a adolescência; e um vestido branco com flores azuis. Não entendo como o Papai Noel entregou os presentes feitos pela minha mãe e pela minha vó. Nos abraçamos, um a um, desejando feliz Natal, a paz de Jesus Cristo, e enchemos a casa de um sentimento de amor que não cabia dentro de nós e que faz tempo que não sinto”.
Essa é a narrativa, feita pela vovó com Alzheimer, quando perguntada se lembrava do Natal. A riqueza de detalhes do passado em contraste inexplicável com a dificuldade de lembrar do que acontecia no Natal que vivia agora. A árvore de Natal industrializada, enfeitada com bolas, laços comprados prontos e iluminada por um rosário de lâmpadas led, enfeitava o apartamento. Pacotes de presentes em papel laminado colorido amontoados na base da árvore. A família reunida com o pai, a mãe, o filho único, e a vovó com Alzheimer. Tiveram que passar as festas sozinhos, pois os irmãos tinham planos de viagens, cada um para seu lado, e a cuidadora da vovó estava de férias. Jantaram fora e agora iam distribuir os presentes comprados em lojas abarrotadas. O menino, de oito anos, presenteado com um celular de última geração, que em breve será obsoleto, um vídeo game, que servirá para ocupar o tempo do garoto quando o pai e a mãe não puderem estar presentes. Ganhou ainda calças e camisetas com grifes que vestem as crianças da moda. A mãe ganhou um vestido de marca e uma gargantilha de ouro. O pai ganhou um kit de camisas polo Lacoste e um relógio foleado a ouro. A vovó ganhou dois pijamas, uma camisola e um pacote de fraldas descartáveis.
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